Joia de Metal
A extremidade de sua orelha surgia insistentemente por entre os fios de seus cabelos, um tanto quanto loiros. Usava sempre aquele brinquinho com uma pedra falsa, dessas que nem reluz direito, e tinha sempre por perto aquela mesma amiga, que sempre que todos olhavam, ela estava ao seu lado. Ele, com o seu dente quebrado, que fazia surgir um vão entre o sorriso meigo que vez por outra deixava escapar, a camisa muito bem passada pela mamãe e um brinco de farmácia. Tudo isso em um calor de 38 graus, de fevereiro, em um pátio cheio de crianças baderneiras que trocavam figurinhas, jogavam seus gameboy's e batiam umas nas outras, enquanto os supervisores comiam na cantina e observavam como se fosse algo rotineiro. E em meio a baderna e confusão (quase que regra para quem passa o ensino fundamental em um colégio público), os olhares se encontravam todos os dias, quase que sem querer ou quase que querendo se encontrar.
A sintonia dessa troca era algo mágico, não havia nenhum tipo de malícia. Eram apenas dois pares de olhos visando a imensidão da alma de cada um, como se quisessem se decifrar. Apesar dos códigos serem a Sequencia de Fibonacci, aos poucos, estavam interpretando esses códigos com uma facilidade que chega a ser angelical.
Alguns meses se passaram e a iniciativa não era tomada por nenhuma das partes, a inocência de ambas as partes eram a cruz que não os deixavam conhecer a voz do outro. A chuva caia em uma das idas rotineiras ao mercado para sua mãe, com seu micro shorts que hora foi de algum vizinho mais velho, ele caminhava em passo acelerado, fazia de seus dedos pequenos baquetas que iam batendo sem ritmo em uma bateria imaginaria e cantarolando em uma língua que ainda não foi catalogada. Ao chegar ao caixa, com a sacola de pães ele vê um colar, desses bem baratos, que na época custavam menos de 1 real. O colar tinha formato de estrela, com cor roxa e um elástico preto. Ele não pensou duas vezes, o colocou junto a sacola.
Ela, enquanto isso estava em seu quarto minúsculo, com seu pijama desbotado de alguma princesa da Disney, e sua unha um tanto pequena para uma garota. Ela rabiscava o nome dele em formas de coração, com vários dizeres, próprios de uma menina de 9 anos, que escreve para o menino dos sonhos.
Na tarde seguinte, a professora com seus olhos fundo de garrafa, seus cabelos escuros com todos os fios perfeitamente alinhados exalava um ar de sabedoria na arte de divisão com dois números na chave, passou um exercício que em um dia comum, ele faria de olhos vendados e sem precisar de nenhuma cola para terminar. Entretanto, a sua cabeça estava em Nárnia ou Hogwarts, a única coisa que passava pela sua pequena massa pensante era como entregar o humilde presente para a garota que fazia ele ter mais vontade de ir aula do que o convencional. Passaram-se duas horas e um sinal agudo ecoou, o colégio que a poucos segundos estava em um silencio absoluto, reproduziu um som que mais parecia de alguma batalha da segunda guerra mundial, sim, a hora do intervalo tinha finalmente chego.
Todos os seus amigos correram, loucos para ganhar os tazos metálicos raros que tinha acabado de ser lançados, e ele, com toda paciência de um lorde ou com toda a covardia de um ditador, desceu lentamente.
Ela, com toda sua atitude incontestável desceu bem depressa de braços dados para sua amiga que a ofuscava, o olhar rodou o grande pátio a procura daquele do olhar e do meio sorriso que todas as tardes ela contemplava, porém sem sucesso. Ela se derreteu na roupa, não tinha mais a postura firme e alinhada, seus cabelos por um momento parecem perde a cor. Hoje, o dia não ia se tão completo assim.
Segurando um saquinho todo cheio de corações e luas ele a tocou pela primeira vez, um tapinha nas costas foi o suficiente para ela mostra um cara tenebrosa para quem estava a incomodar. Quando ela o viu, ficou toda arisca e mudou do branco de pele para o laranja, e posteriormente, passou para o vermelho em um velocidade maior que a luz. Ela era um pouco mais baixa que ele, seu batom estava mal passado, e cor avermelhada de sua pele, quase fizera os cor dos lábios sumirem. Quando olhou para os olhos dela mostrou sua deficiência no nariz, além de sua sobrancelha que ao olhar de perto via que se juntavam.
Com uma voz falha disse:
-- Oi, isto é pra você.
As cordas vocais que reproduziram o som anterior pareceram ter sumido, com a boca fechada ele colocava a ponta da sua língua quase que sem saliva entre o dente que lhe faltava.
O pátio sumiu, as crianças sumiram a amiga que estava ao seu lado pareceu nunca existir, suas pernas não paravam, trêmulas. Se existe outra cor que represente todo o sangue no rosto, descreveria exatamente como ela estava.
Com o pouco de ar que lhe restava, apanhou o pequeno embrulho de bom grato, com as duas mãos, e com toda a delicadeza de seus pequenos dedos foi abrindo o presente. Ao olhar a pequena estrela enferrujada, na cor roxa (que por um grande acaso, sua cor favorita) a retirou como em um passe de magica e rapidamente já estava envolvendo seu pescoço.
Sua voz, bem mais grave e mais velha que a dele finalmente saiu:
-- Obrigada, Pedro.
0 comentários
Obrigada por deixar seu comentário.
Elogios, criticas e sugestões sempre são bem vindos!